Eu sou muito reservada. Mas nem sempre foi assim.
Eu era uma criança tímida com os estranhos, mas um capeta com a minha família. Aprendi a ler cedo, escrever cedo, costumava ser mais esperta e estar acima da média nos estudos. Prêmio de Melhor Aluna da sala na primeira série, Miss Primavera na segunda, Melhor Poesia na terceira, Melhor Desenho na quarta, assistente do professor, melhor trabalho de Artes e Campeã do Campeonato de Taboada na quinta. Nerd tapada na sexta, só tinha uma amiga. Juro, não falava com mais ninguém. Tinha medo das outras crianças. Pegavam meu dever pra copiar, eu não sabia dizer não. Ameaçavam me bater se eu não emprestasse, escondiam as minhas coisas, roubavam meu lanche. Eu chorava.
Bando de imbecis!
Na sétima série eu fiquei mais rebelde. Mudei de sala, fiz alguns amigos. Fui me tornando esnobe, muito esnobe em relação aos meus ex-colegas de sala. Tinha nojo deles. Eles já não eram mais uma ameaça para mim. Minha mãe começou a ouvir algumas reclamações pela primeira vez na vida nas Reuniões de Pais, graças ao meu comportamento. Segundo os professores, eu falava demais e era arrogante quando me chamavam a atenção. Argumentava que já havia terminado o meu dever, meu boletim era brilhante. Não havia uma única reclamação sobre as minhas notas, era impossível. Eu me irritava com quem demorava pra entender, demonstrava nitidamente minha imapaciência e por vezes murmurava: "burrros".
Fui monitora de sala pra ajudar os mais lentos. Desisti. Na oitava série, a história continuava. Meu grupo fez a melhor apresentação de teatro de todas as oitavas séries. Eu continuava com o mesmo perfil hostil e prepotente. Cheguei assim ao primeiro ano.
Mas nessa época eu era popular. Me achava o máximo por isso.
E foi aí que os problemas com a alimentação se intesificaram. Com 14 anos entrei para um curso de para-militares da minha cidade. Eu odiava com todas as minhas forças aquilo. Sempre passava mal nas aulas de Ordem Unida porque estava sem comer. Meu pelotão era na época o maior e com mais prestígio na entidade. Comecei a fazer um estágio no Fórum da cidade, como para-militar. Meus companheiros costumavam dizer que eu só sujava o prato pra dizer que comi. Comecei a estudar à noite. Chegava do estágio e não jantava para ir à escola, dizia que já havia comido pipoca doce. Eu guardava aquela caixinha de pipoca na minha bolsa, - todos os dias era a mesma caixinha que eu mostrava para a minha mãe - e dizia que tinha comprado pipoca de novo. Mentira.
Mentira, mentira, mentira.
Fui ficando boa nisso. Ainda sou. Isolamento - só uma consequência.
Tenho a impressão de que carrego ainda essa personalidade, digamos que, insolente. Eu era muito doce. Por vezes ainda noto alguma ternura. Mas existe também uma personalidade difícil, uma menina temperamental, dramática, exigente, fútil. Idiota.
Criei uma barreira ao meu redor pra proteger as minhas mentiras.
E agora por mais que eu tente e esteja "bem" e esteja voltando para a minha vida social e todas essas coisas, por mais que eu esteja tentando, parece que há um vidro, um traço muito fino, muito tênue que me separa do restante do mundo.
Não adianta, eu já estou do outro lado do espelho.
Eu queria alguém que me entendesse mesmo, a fundo. Quem eu sou de verdade e não quem eu sou quando estou sorrindo.
"O sorriso que eu trago nem sempre é a vida que eu levo." Eu encontrei muito disso em vocês e preciso agradecer. Mas quando eu desligo o computador e me vejo frente a frente com tudo e com todos, dá um nó na garganta e uma vontade de voltar correndo para o meu quarto.
Eu me sinto confusa, acho que tudo isso não é tão certo e eu faço tudo errado.
Eu me sinto tão sozinha.
Sometimes when I say: "Oh, I'm fine", I want someone to look me in the eyes and say: "Tell the truth".Obs: Meus pais não falaram comigo ainda, parece que não aconteceu nada, parece que ninguém sabe de nada. Não entendo por que eles agem assim. Mas é melhor assim, melhor pra mim.
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